segunda-feira, 17 de junho de 2013

FlashBack





Eu ria alto com as palhaçadas do Adan Sandler, mas a campainha fez com que eu direcionasse minha atenção e corpo até o portão.
Assim que abri o mesmo, vi minha tia, que me encarava com um tanto de arrogância.
- Sua mãe está aí? – perguntou-me soberbamente.
- Tá dormindo... – encostei no portão, cruzei os braços e fiquei num pé só, com o outro pé apoiado no joelho – Quer entrar? – devolvi com o mesmo tom.
- Não – respondeu-me seca – Ela bebeu?
- Não sei e não ligo – não era minha intenção ser educada com ela se era não fosse comigo.
- Você cala essa sua boca, pirralha! – praticamente enfiou seu dedo em minha cara.
- Cala sua boca você!, que aqui você não é nada, não, vagabunda! – disse mais alto ao empurrá-la – Quem você pensa que é pra fazer isso na minha casa?
- Sua casa porra nenhuma! – ela começou a ficar vermelha como pimentão – Isso aqui é da minha irmã! Você não tem o direito de...
- Ah, você é que não tem o direito de vir aqui, então fica na sua – dei-lhe as costas e estava pronta pra fechar o portão na cara dela, mas ela segurou o mesmo.
- Você é uma preguiçosa!, uma sangue suga!, uma acomodada! – cuspiu as palavras de forma enojada e aquilo me atingiu – Tem quase 18 anos e não faz nada da vida! Uma burra que nem pra escola ia direito! Eu, vagabunda? HAHAHA! A vagabunda aqui é você, que dá mais que chuchu na cerca, oferecida, biscate!
- Já que eu sou um chuchu gigante, segue meu exemplo e vai dar um pouco... Assim você cuida mais da sua buceta e deixa a das outras em paz – sorri cinicamente e puxei com força o portão, fechando-o sem me importar se isso arrancaria seus dedos – Morfética do caralho... Biscate pau no cu... Mas é uma maldita mesmo... – xinguei inúmeras vezes até chegar na sala me jogar no sofá. Porém, por mais que o filme fosse engraçado, nem ao menos sorri... Mas isso iria mudar, pois Fernando chegaria logo.
Hoje era dia de... “namorar”. Rio desse termo, pois soa como “ainda sou virgem, papai”. Eu ri tanto quando Fernando tentou conversar com minha mãe e pedir permissão para vir me ver. Eu disse que era bobeira e que não precisava de todo esse esforço, mas ele sempre me pedia pra manter uma boa relação com ela, e como filha de sangue, pelo menos deveria respeitá-la. Ele me fez prometer que tentaria por ele, e eu prometi, mas conviver com ela é... Complicado demais.
Assim que tomei banho, não demorou muito até ele chegasse.
- Oi princesa – sorriu triunfante ao emaranhar seus dedos em meus cabelos, encaixando-me, envolvendo-me e apertando-me contra seu corpo. Seu hálito fresco que roçava em minha boca e colo me fez deseja-lo no mesmo instante.
- Senti saudade – e senti mesmo. Meu corpo vibrava. Quando dei-me conta, minhas mãos já estavam em sua nuca. Mas eu não o beijei. Eu adorava ficar de certo modo provocando-o, apenas ameaçando encostar nossos lábios enquanto vislumbrava cada detalhe do seu rosto. Seus olhos que agora com a luz fraca estavam castanhos e dilatados. Seus cílios grandes e encurvados. O canto de seus olhos que enrugavam ao sorrir.  Seus poros abertos na área das maçãs do rosto. Algumas sardas pequeninas que tinha no nariz... Eu amava exatamente cada detalhe, cada um deles, sem exceção alguma. Sorri satisfeita ao aquietar minha ansiedade com uma dose de minha droga, e então, o beijei fogosamente, afogando-me de vez em seu calor. Minhas mãos envoltas em seu pescoço e seus braços fortes garantiam que eu não cairia ao envergar-me pra trás.
- Como você está? – perguntou ao passar os dedos na divisão do meu cabelo, penteando-os pra trás.
- Melhor do que nunca – peguei em sua mão e a beijei – Vamos lá pra sala.
Fernando e eu conversamos sobre nosso dia. Eu não disse nada sobre minha tia, então praticamente não falei nada, a não ser dos filmes que assisti. Já ele me contou algumas coisas engraçadas. A namorada de um dos novos funcionários foi exigir explicações ao descobrir que era traída.
- Ela começou a dar uns tapas na cara, cabeça, onde acertasse... – ele ria até ficar sem fôlego – Môr... ele tomou um tombo do cacete... Ele caiu de barriga e foi escorregando como se estivesse surfando – eu ria junto, talvez mais de suas risadas do que da história. Sua risada era contagiante – Ele foi muito frouxo – fez uma certa careta de desaprovação.
- Ah, mas ele mereceu, vai... Ninguém mandou trair... – ainda ria ao imaginar a cena.
- Mesmo assim, é assunto deles. Ele não deveria ter... Isso não se resolve na rua.
- Mas homem é cachorro mesmo!, um defende o outro até quando errado – fitei-o enquanto ria ao levantar e preparar algo para comermos.
- Não é isso... É que... Homem é homem – pra que ele disse isso? Pra me provocar?
- Por que homem é homem, Fernando? O que você quis dizer com isso? – disse como quem não quer nada. “Jogar verde pra colher maduro”, pensei – Por acaso você já me traiu? – não pude camuflar totalmente meu tom de confronto.
- Não... Para de falar besteira. Pra que eu faria isso? – disse meloso ao abraçar-me por trás enquanto eu lavava as mãos e fazia café.
- Hmmm – foi o que consegui dizer. Sempre que dizem algo mais que “sim” ou “não” pra mim, suspeito da resposta.
- Qual é? A gente vai começar mesmo uma discussão por conta disso? – disse grossamente e  largou-me.
- Não estamos – disse de cabeça baixa. Não valia mesmo apena brigar por isso – Olha... – Parecia que eu estava conversando comigo mesma, pois era a mais pura verdade – Desculpa por isso. Eu não sei como lidar com ciúmes. É que... Você é especial demais pra mim e eu tenho medo de perder a única pessoa que eu... – eu não acredito que ia dizer “que eu amo”. É cedo demais pra isso. Pigarrei e voltei minha atenção ao fogo, torcendo pra que ele não tivesse me ouvido.
- Que você o que? – perguntou como quem não quer nada. Eu apenas fingi que não ouvi, mas não pude deixar de sorrir – Que você o que? – tornou a perguntar. Fernando virou-me de frente pra si, levantando meu rosto, forçando-me a olhar seus olhos castanhos claros. Eu queria falar, mas minha garganta travou – Responda – ele sorria como se já soubesse a resposta, mas queria me fazer a gentileza de passar vergonha. Senti minhas bochechas corarem, atingindo seu propósito, e como vitória, Fernando soltou um risinho.
- É... – respirei fundo e desviei o olhar contendo um sorriso – Você não é bobo – e assim dei-lhe as costas e desliguei o fogo, pois a água já borbulhava.
- Não. Não sou mesmo – virou-me mais uma vez de frente pra si –  Mas você quem é. Tem vergonha de dizer pra mim o que sente e acha que eu sou doido em trair um mulherão desse – mediu meu corpo com seus olhos que queimavam e disse agora seriamente – Eu não sou esse tipo de homem que vai aceitar que você faça barraco no meu trabalho ou que faz loucuras de amor... Mas... Vou te proteger, cuidar e manter você na linha – piscou pra mim ao dizer o último item, na tentativa de descontrair o momento de declaração, fazendo-me sorrir. Ele realmente não era bom com palavras, pois demorou quase um ano para me dizer isso. Interpretando com outros olhos, ele também me ama.
- Parece até que você está fazendo votos de casamento, Fernando – disse brincando e nós rimos. Na verdade eu me identifiquei com essa frase – E se você fosse um desses homens frouxos, eu nem estaria com você – completei descontraída, dando um soco de brincadeira em seu ombro –  Eu quero alguém que cuide, proteja e mande em mim – disse agora séria – Eu nunca tive ninguém que fizesse isso por mim, e... Agora eu tenho.
- Vem morar comigo – isso me pegou de surpresa – Eu achei que a gente estivesse indo rápido demais, mas... Quer saber?, eu quero você. Ter você pra mim é tudo que eu quero agora...
- Agora eu não posso – não sei o motivo, mas nesse momento lembrei das palavras cortantes de minha tia. Meu peito começou a doer imensamente.
- Me avisa quando puder – ele desconversou. Talvez tivesse achado que eu não gostaria de morar com ele, mas não era isso, claro que não. Eu queria e muito, mas eu ainda era menor, e como conheço minha mãe, sei que ela faria um inferno na minha vida.
- Você é incrível, sabia?! – disse apenas para lembra-lo da mais pura verdade e dei-lhe um beijo no peito. Assim, voltei minha atenção à comida.
Nos comíamos pacificamente nossos sanduíches quando o leão acordou.
- Boa tarde – Fernando disse educado pra mulher que me deu a luz.
- Oi – disse rudemente ao caminhar para a cozinha. Como eu odeio isso.
- Tem um pão pra você no forno – disse indiferente, mas por dentro eu estava fervendo de raiva.
- E essa louça aqui, como que faz? – ela usava o mesmo tom da minha tia. Lembrei-me de novo de suas palavras. Malditas! Essas imbecis me perseguiam.
- Lava, ué... Ou deixa aí que eu lavo depois – que vergonha. Ela não podia nem ao menos respeitar meu namorado. Uma visita. Ela não respeitava ninguém. Sempre que podia, esfregava na minha cara sua superioridade e sua guarda sobre mim. Olhei pra Fernando e ele comia seu sanduíche de cabeça baixa, como se não estivesse ouvindo nada. Gentil da parte dele, pois não queria que eu me sentisse envergonhada, porém sem êxito, pois eu estava, e muito. “Eu não acredito”, pensei ao notar as lágrimas que estavam se formando. Limpei-as imediatamente assim que escorreram.
- Ei – Fernando colocou seu sanduíche no prato que estava na mesinha e puxou-me contra seu corpo – Quer dar uma volta? Vamos lá pra rua? – Eu apenas assenti e o segui.
- Mas que mordomia, agora vai passear – disse a bruxa. Eu estava contando até 93429340 para não manda-la tomar no cu na frente de Fernando.
- Sim, ela merece todas as mordomias do mundo, senhora – disse Fernando um tanto ríspido.
- Cala a boca que você está na minha casa, seu Zé Ninguém.
- Vai pra puta que pariu – explodi. Tudo bem me maltratar, mas ela não faria isso com ele – Quem vê pensa que você é um orgulho. Hoje sua irmã veio aqui, e eu disse que você estava desmaiada e ainda tive que ouvir merdas daquela vaca arrombada! – Fernando começou a puxar-me, mas eu me soltava – Que vocês duas se explodam! SE EX-PLO-DAM! – gritei lentamente, deixando-a com cara de quem comeu e não gostou.
- Chega! – Fernando disse com autoridade pra mim, puxando-me por uma ultima vez.
Fernando estava com o carro de Marcelo, não perguntei o motivo, pois ainda estava fula da vida. Nós entramos, mas ele não ligou o carro. Talvez quisesse que eu me acalmasse primeiro.
- Você me entende agora? – disse nervosa. Eu quase gritava com ele, mas ele não disse nada. Ele era compreensivo – Você está vendo? Por isso que eu não posso ficar com você. Imagine o inferno que essa bruxa faria se eu morasse com você sendo menor de idade – as lágrimas quentes queimavam minha pele, que parecia estar mais sensível que nunca. Meu ódio por ela só aumentava, pois ela era a única que me impedia de ser feliz. Se não fosse por ela, eu estaria junta de Fernando, em paz – Ai, meu Deus, como eu a odeio! – eu soluçava entre o choro, nem me importava em desmoronar na frente de Fernando – Como eu odeio ela e aquela irmã idiota dela – dizia a dar socos no painel.
- O que a irmã dela te fez? – perguntou com um semblante de dar medo. Eu congelei. Engoli meu choro na hora. “Merda”, pensei. E se ele fizesse merda com ela?
- Nada.
- Agora fala.
- Ela... Me... Resumindo, me chamou de puta, aproveitadora e burra.
- Por que de puta? – ele ia aprontar com ela.
- Fernando, você acha que eu estou me preocupando com ela? Eu quero que ela vá pra puta que pariu!
- Mas é claro que você está se preocupando – disse firmemente – Olha, te ver chorar por culpa da sua mãe, eu até aguento não dar uma surra nela, porque ela é sua mãe e se não fosse por ela, você não estaria aqui, mas deixar uma qualquer te fazer chorar, eu não vou – ele agora estava tão nervoso como eu estava antes.
- Fernando – voltei a chorar – Para de falar merda que você me deixa mais nervosa – tapei meus olhos e tentei chorar em silêncio, até que enfim, as mãos de Fernando me puxou.
- Em alguns meses você vai dar adeus pra essa gente – ele me aninhou em seu corpo. Eu sentei em seu colo de forma que a porta fosse meu encosto. Encostei meu rosto em seu peito, e chorei até que me acalmasse. Ele apenas afagava meus cabelos.
- Fernando... – disse ao levantar meus rosto. Meus olhos embaçados procuravam os seus.
- Fala – tirou delicadamente parte da minha franja que estava grudada em minha pele molhada por lágrimas .
- Promete pra mim que não é isso que vai separar a gente – tive vontade de chorar de novo ao me imaginar sem ele, mas me contive – Senti tanta vergonha por você presenciar isso, mesmo que você já tenha visto antes.
- Sua mãe nunca vai separar a gente, eu te prometo. Não é ela que vai te tirar de mim. Não é isso que vai me fazer desistir de você – suas palavras me confortaram imensamente. Ele beijou minha testa – Eu sei como é ter esse tipo de problema de família. Comigo também foi assim, mas olha... Tudo passa. Nenhum sofrimento é eterno. Nada é pra sempre.


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