Eu ria alto com as palhaçadas do Adan Sandler, mas a
campainha fez com que eu direcionasse minha atenção e corpo até o portão.
Assim que abri o mesmo, vi minha tia, que me encarava com um
tanto de arrogância.
- Sua mãe está aí? – perguntou-me soberbamente.
- Tá dormindo... – encostei no portão, cruzei os braços e
fiquei num pé só, com o outro pé apoiado no joelho – Quer entrar? – devolvi com
o mesmo tom.
- Não – respondeu-me seca – Ela bebeu?
- Não sei e não ligo – não era minha intenção ser educada
com ela se era não fosse comigo.
- Você cala essa sua boca, pirralha! – praticamente enfiou
seu dedo em minha cara.
- Cala sua boca você!, que aqui você não é nada, não,
vagabunda! – disse mais alto ao empurrá-la – Quem você pensa que é pra fazer isso
na minha casa?
- Sua casa porra nenhuma! – ela começou a ficar vermelha
como pimentão – Isso aqui é da minha irmã! Você não tem o direito de...
- Ah, você é que não tem o direito de vir aqui, então fica
na sua – dei-lhe as costas e estava pronta pra fechar o portão na cara dela,
mas ela segurou o mesmo.
- Você é uma preguiçosa!, uma sangue suga!, uma acomodada! –
cuspiu as palavras de forma enojada e aquilo me atingiu – Tem quase 18 anos e
não faz nada da vida! Uma burra que nem pra escola ia direito! Eu, vagabunda?
HAHAHA! A vagabunda aqui é você, que dá mais que chuchu na cerca, oferecida,
biscate!
- Já que eu sou um chuchu gigante, segue meu exemplo e vai
dar um pouco... Assim você cuida mais da sua buceta e deixa a das outras em paz
– sorri cinicamente e puxei com força o portão, fechando-o sem me importar se
isso arrancaria seus dedos – Morfética do caralho... Biscate pau no cu... Mas é
uma maldita mesmo... – xinguei inúmeras vezes até chegar na sala me jogar no
sofá. Porém, por mais que o filme fosse engraçado, nem ao menos sorri... Mas
isso iria mudar, pois Fernando chegaria logo.
Hoje era dia de... “namorar”. Rio desse termo, pois soa como
“ainda sou virgem, papai”. Eu ri tanto quando Fernando tentou conversar com minha
mãe e pedir permissão para vir me ver. Eu disse que era bobeira e que não
precisava de todo esse esforço, mas ele sempre me pedia pra manter uma boa
relação com ela, e como filha de sangue, pelo menos deveria respeitá-la. Ele me
fez prometer que tentaria por ele, e eu prometi, mas conviver com ela é... Complicado
demais.
Assim que tomei banho, não demorou muito até ele chegasse.
- Oi princesa – sorriu triunfante ao emaranhar seus dedos em
meus cabelos, encaixando-me, envolvendo-me e apertando-me contra seu corpo. Seu
hálito fresco que roçava em minha boca e colo me fez deseja-lo no mesmo
instante.
- Senti saudade – e senti mesmo. Meu corpo vibrava. Quando
dei-me conta, minhas mãos já estavam em sua nuca. Mas eu não o beijei. Eu
adorava ficar de certo modo provocando-o, apenas ameaçando encostar nossos
lábios enquanto vislumbrava cada detalhe do seu rosto. Seus olhos que agora com
a luz fraca estavam castanhos e dilatados. Seus cílios grandes e encurvados. O
canto de seus olhos que enrugavam ao sorrir.
Seus poros abertos na área das maçãs do rosto. Algumas sardas pequeninas
que tinha no nariz... Eu amava exatamente cada detalhe, cada um deles, sem
exceção alguma. Sorri satisfeita ao aquietar minha ansiedade com uma dose de
minha droga, e então, o beijei fogosamente, afogando-me de vez em seu calor.
Minhas mãos envoltas em seu pescoço e seus braços fortes garantiam que eu não
cairia ao envergar-me pra trás.
- Como você está? – perguntou ao passar os dedos na divisão
do meu cabelo, penteando-os pra trás.
- Melhor do que nunca – peguei em sua mão e a beijei – Vamos
lá pra sala.
Fernando e eu conversamos sobre nosso dia. Eu não disse nada
sobre minha tia, então praticamente não falei nada, a não ser dos filmes que
assisti. Já ele me contou algumas coisas engraçadas. A namorada de um dos novos
funcionários foi exigir explicações ao descobrir que era traída.
- Ela começou a dar uns tapas na cara, cabeça, onde
acertasse... – ele ria até ficar sem fôlego – Môr... ele tomou um tombo do
cacete... Ele caiu de barriga e foi escorregando como se estivesse surfando –
eu ria junto, talvez mais de suas risadas do que da história. Sua risada era
contagiante – Ele foi muito frouxo – fez uma certa careta de desaprovação.
- Ah, mas ele mereceu, vai... Ninguém mandou trair... –
ainda ria ao imaginar a cena.
- Mesmo assim, é assunto deles. Ele não deveria ter... Isso
não se resolve na rua.
- Mas homem é cachorro mesmo!, um defende o outro até quando
errado – fitei-o enquanto ria ao levantar e preparar algo para comermos.
- Não é isso... É que... Homem é homem – pra que ele disse
isso? Pra me provocar?
- Por que homem é homem, Fernando? O que você quis dizer com
isso? – disse como quem não quer nada. “Jogar verde pra colher maduro”, pensei
– Por acaso você já me traiu? – não pude camuflar totalmente meu tom de confronto.
- Não... Para de falar besteira. Pra que eu faria isso? –
disse meloso ao abraçar-me por trás enquanto eu lavava as mãos e fazia café.
- Hmmm – foi o que consegui dizer. Sempre que dizem algo
mais que “sim” ou “não” pra mim, suspeito da resposta.
- Qual é? A gente vai começar mesmo uma discussão por conta
disso? – disse grossamente e largou-me.
- Não estamos – disse de cabeça baixa. Não valia mesmo apena
brigar por isso – Olha... – Parecia que eu estava conversando comigo mesma,
pois era a mais pura verdade – Desculpa por isso. Eu não sei como lidar com
ciúmes. É que... Você é especial demais pra mim e eu tenho medo de perder a
única pessoa que eu... – eu não acredito que ia dizer “que eu amo”. É cedo
demais pra isso. Pigarrei e voltei minha atenção ao fogo, torcendo pra que ele
não tivesse me ouvido.
- Que você o que? – perguntou como quem não quer nada. Eu
apenas fingi que não ouvi, mas não pude deixar de sorrir – Que você o que? –
tornou a perguntar. Fernando virou-me de frente pra si, levantando meu rosto,
forçando-me a olhar seus olhos castanhos claros. Eu queria falar, mas minha
garganta travou – Responda – ele sorria como se já soubesse a resposta, mas
queria me fazer a gentileza de passar vergonha. Senti minhas bochechas corarem,
atingindo seu propósito, e como vitória, Fernando soltou um risinho.
- É... – respirei fundo e desviei o olhar contendo um
sorriso – Você não é bobo – e assim dei-lhe as costas e desliguei o fogo, pois
a água já borbulhava.
- Não. Não sou mesmo – virou-me mais uma vez de frente pra
si – Mas você quem é. Tem vergonha de
dizer pra mim o que sente e acha que eu sou doido em trair um mulherão desse –
mediu meu corpo com seus olhos que queimavam e disse agora seriamente – Eu não
sou esse tipo de homem que vai aceitar que você faça barraco no meu trabalho ou
que faz loucuras de amor... Mas... Vou te proteger, cuidar e manter você na
linha – piscou pra mim ao dizer o último item, na tentativa de descontrair o
momento de declaração, fazendo-me sorrir. Ele realmente não era bom com
palavras, pois demorou quase um ano para me dizer isso. Interpretando com outros
olhos, ele também me ama.
- Parece até que você está fazendo votos de casamento,
Fernando – disse brincando e nós rimos. Na verdade eu me identifiquei com essa
frase – E se você fosse um desses homens frouxos, eu nem estaria com você –
completei descontraída, dando um soco de brincadeira em seu ombro – Eu quero alguém que cuide, proteja e mande em
mim – disse agora séria – Eu nunca tive ninguém que fizesse isso por mim, e...
Agora eu tenho.
- Vem morar comigo – isso me pegou de surpresa – Eu achei
que a gente estivesse indo rápido demais, mas... Quer saber?, eu quero você.
Ter você pra mim é tudo que eu quero agora...
- Agora eu não posso – não sei o motivo, mas nesse momento
lembrei das palavras cortantes de minha tia. Meu peito começou a doer
imensamente.
- Me avisa quando puder – ele desconversou. Talvez tivesse
achado que eu não gostaria de morar com ele, mas não era isso, claro que não.
Eu queria e muito, mas eu ainda era menor, e como conheço minha mãe, sei que
ela faria um inferno na minha vida.
- Você é incrível, sabia?! – disse apenas para lembra-lo da
mais pura verdade e dei-lhe um beijo no peito. Assim, voltei minha atenção à
comida.
Nos comíamos pacificamente nossos sanduíches quando o leão
acordou.
- Boa tarde – Fernando disse educado pra mulher que me deu a
luz.
- Oi – disse rudemente ao caminhar para a cozinha. Como eu
odeio isso.
- Tem um pão pra você no forno – disse indiferente, mas por
dentro eu estava fervendo de raiva.
- E essa louça aqui, como que faz? – ela usava o mesmo tom
da minha tia. Lembrei-me de novo de suas palavras. Malditas! Essas imbecis me
perseguiam.
- Lava, ué... Ou deixa aí que eu lavo depois – que vergonha.
Ela não podia nem ao menos respeitar meu namorado. Uma visita. Ela não
respeitava ninguém. Sempre que podia, esfregava na minha cara sua superioridade
e sua guarda sobre mim. Olhei pra Fernando e ele comia seu sanduíche de cabeça
baixa, como se não estivesse ouvindo nada. Gentil da parte dele, pois não
queria que eu me sentisse envergonhada, porém sem êxito, pois eu estava, e
muito. “Eu não acredito”, pensei ao notar as lágrimas que estavam se formando.
Limpei-as imediatamente assim que escorreram.
- Ei – Fernando colocou seu sanduíche no prato que estava na
mesinha e puxou-me contra seu corpo – Quer dar uma volta? Vamos lá pra rua? –
Eu apenas assenti e o segui.
- Mas que mordomia, agora vai passear – disse a bruxa. Eu
estava contando até 93429340 para não manda-la tomar no cu na frente de
Fernando.
- Sim, ela merece todas as mordomias do mundo, senhora –
disse Fernando um tanto ríspido.
- Cala a boca que você está na minha casa, seu Zé Ninguém.
- Vai pra puta que pariu – explodi. Tudo bem me maltratar,
mas ela não faria isso com ele – Quem vê pensa que você é um orgulho. Hoje sua
irmã veio aqui, e eu disse que você estava desmaiada e ainda tive que ouvir
merdas daquela vaca arrombada! – Fernando começou a puxar-me, mas eu me soltava
– Que vocês duas se explodam! SE EX-PLO-DAM! – gritei lentamente, deixando-a
com cara de quem comeu e não gostou.
- Chega! – Fernando disse com autoridade pra mim, puxando-me
por uma ultima vez.
Fernando estava com o carro de Marcelo, não perguntei o
motivo, pois ainda estava fula da vida. Nós entramos, mas ele não ligou o
carro. Talvez quisesse que eu me acalmasse primeiro.
- Você me entende agora? – disse nervosa. Eu quase gritava
com ele, mas ele não disse nada. Ele era compreensivo – Você está vendo? Por
isso que eu não posso ficar com você. Imagine o inferno que essa bruxa faria se
eu morasse com você sendo menor de idade – as lágrimas quentes queimavam minha
pele, que parecia estar mais sensível que nunca. Meu ódio por ela só aumentava,
pois ela era a única que me impedia de ser feliz. Se não fosse por ela, eu
estaria junta de Fernando, em paz – Ai, meu Deus, como eu a odeio! – eu
soluçava entre o choro, nem me importava em desmoronar na frente de Fernando –
Como eu odeio ela e aquela irmã idiota dela – dizia a dar socos no painel.
- O que a irmã dela te fez? – perguntou com um semblante de
dar medo. Eu congelei. Engoli meu choro na hora. “Merda”, pensei. E se ele
fizesse merda com ela?
- Nada.
- Agora fala.
- Ela... Me... Resumindo, me chamou de puta, aproveitadora e
burra.
- Por que de puta? – ele ia aprontar com ela.
- Fernando, você acha que eu estou me preocupando com ela?
Eu quero que ela vá pra puta que pariu!
- Mas é claro que você está se preocupando – disse
firmemente – Olha, te ver chorar por culpa da sua mãe, eu até aguento não dar
uma surra nela, porque ela é sua mãe e se não fosse por ela, você não estaria
aqui, mas deixar uma qualquer te fazer chorar, eu não vou – ele agora estava
tão nervoso como eu estava antes.
- Fernando – voltei a chorar – Para de falar merda que você
me deixa mais nervosa – tapei meus olhos e tentei chorar em silêncio, até que
enfim, as mãos de Fernando me puxou.
- Em alguns meses você vai dar adeus pra essa gente – ele me
aninhou em seu corpo. Eu sentei em seu colo de forma que a porta fosse meu
encosto. Encostei meu rosto em seu peito, e chorei até que me acalmasse. Ele
apenas afagava meus cabelos.
- Fernando... – disse ao levantar meus rosto. Meus olhos
embaçados procuravam os seus.
- Fala – tirou delicadamente parte da minha franja que
estava grudada em minha pele molhada por lágrimas .
- Promete pra mim que não é isso que vai separar a gente –
tive vontade de chorar de novo ao me imaginar sem ele, mas me contive – Senti
tanta vergonha por você presenciar isso, mesmo que você já tenha visto antes.
- Sua mãe nunca vai separar a gente, eu te prometo. Não é
ela que vai te tirar de mim. Não é isso que vai me fazer desistir de você –
suas palavras me confortaram imensamente. Ele beijou minha testa – Eu sei como
é ter esse tipo de problema de família. Comigo também foi assim, mas olha...
Tudo passa. Nenhum sofrimento é eterno. Nada é pra sempre.