- Eu não decidi ainda – disse passando meus dedos em meus
cabelos e enfim afundando meus braços na água morna – Eu não sei o que dizer...
- Bom, eu acho que... – ele fez uma pausa ao ensaboar meus
ombros – Você deveria dizer adeus – ele respirou fundo tentando concentrar-se
no que fazia. Ele arregaçou ainda mais
as mangas da camisa social rosa clara que usava. Ele estava tão lindo...
- Mas eu já disse – encarei-o confusa – Pra tudo e todos...
– disse em dúvida, procurando alguma brecha em suas palavras que ecoavam em
minha mente. Do quê ele estava falando? Fernando levantou seus olhar ao meu
encontro.
- Você deveria dizer adeus pra mim – desviou seu olhar
tristonho e atirou a bucha na água. Nenhuma reclamação saiu de meus lábios – Deite-se.
Lavarei seu cabelo.
Deitei-me lentamente até que somente meu rosto ficasse fora
da água. Fernando passou seus polegares úmidos em meus olhos, fechando-os. Respirei
fundo, sentindo cheiro de sangue. Abri meus olhos e segurei na lateral da
banheira, dando sustentação para levantar-me, mas as mãos de Fernando me
afundaram. No mesmo momento a banheira explodiu – como um balão d’água – e cai
nua sobre a grama, onde a única coisa que estava sobre meu corpo era sangue.
Passei minhas mãos em meu rosto, na tentativa de limpar a gosma. Não pude
conter um grito, que queimou minha garganta ao ver o corpo Fernando aos meus
pés. As lágrimas de sangue que escorriam, queimavam minhas bochechas. Eu
demorei muito tempo até alcançar seu corpo, que estava próximo ao meu. Ele
estava de costas pra mim e assim que virei seu corpo, vi que ele era o homem
que eu tinha matado.
Assim que acordei, senti meu estômago queimar. Fernando
dormia profundamente ao meu lado. Levantei-me silenciosamente e caminhei até a
cozinha. Comi algumas bolachas enquanto vislumbrava as luzes da cidade grande.
Ouvi passos até mim.
- Por que você está no escuro, sua doida? – perguntou-me risonho
ao acender a mesma. Ameacei responder, mas Fernando calou-me com um beijo
intenso – Desde que chegamos, não tivemos a chance de ficar sozinhos, e quando
tivemos... Bem – mostrou-me um cubo preto que agora equilibrava na palma de sua
mão.
- O que é isso? – perguntei sorrindo ao pegar o objeto e
abri-lo – Oh, meu Deus, Fernando – sorri de orelha a orelha.
- Bem, as coisas estão melhorando, e de agora em diante você
terá apenas o melhor – explicou-me enquanto prendia em meu pulso um rolex
feminino e então beijou-me fogosamente. Assim que deitamos, dormimos
imediatamente. Eu fiz questão de dormir com o relógio.
- Amor, você pode dar uma ajuda pra gente, lá em baixo? –
Fernando perguntou-me assim que afastou o telefone de sua orelha. Eu apenas
assenti – Ela vai... Fala pra Dan colar com ela... Beleza – e desligou o
telefone – Eu tenho que ir... Trabalhar – era uma ironia esta última palavra.
- Certo, pelo jeito eu também – sorri como uma boba. Sua
beleza me tirava o fôlego.
- Não tem problema mesmo você ir? Quero dizer, não precisa
se não quiser...
- Eu quero – respirei fundo – Vai ser bom voltar à ativa
depois de meses – sorri e dei um soco de brincadeira em seu braço.
- Hmm – Fernando encarou-me com olhos semicerrados e
envolveu-me em seus braços, prensando-me contra seu corpo. Assim que desci
minhas mãos por suas costas, senti o revolver preso em sua calça – Só fique
longe de encrenca, e se algum verme encostar em você, disfarce – disse um pouco
sério demais – Eu te conheço, não quero que me liguem dizendo que você saiu no
tapa com polícia...
- Alá, metendo o loco de que eu não sei como funciona –
zombei, fazendo-o rir – Pode deixar, Senhorita Medrosa, você não terá que
separar nenhuma briga minha – e assim beijei-o com voracidade e logo eu estava
sozinha.
Depois de mais ou menos uma hora, já estava arrumada.
Tranquei a porta e desci as ruas estreitas da favela até a biqueira onde Dan
estaria me esperando.
- Chegou a patricinha – Dan sorriu ao ver-me. Seu corpo
robusto e baixo vestia jeans, camiseta e tênis. Ela ainda usava o mesmo tom de
loiro – Deu adeus aos parças depois que casou – zombou-me.
- Ah, é assim – disse rindo – Vida de casado é uso de
coleira mesmo, amiga – assim que me aproximei por completo, pude abraçá-la. Dan
e eu nos conhecemos a uns 3 anos. Ela é louca e fiel. Principalmente louca.
- Tudo bem, princesinha. Já sabe o esquema. Mas enquanto
está suave, a gente pode trocar ideia. Vem cá, a coisa está séria entre você e
Fernando – riu de forma maluca – Logo vai ter filho – disse assim que sentamos
na guia – Quer? – Ofereceu-me um cigarro que eu aceitei.
- Ah, não viaja, porra! – ri – Você tá ligada que não vai
dar pra gente ter filho... – não precisei terminar a frase, pois ela entendeu.
Como pais bandidos cuidariam de uma criança? – É, mas nosso relacionamento está
sério mesmo – ela respondia uma mensagem no celular.
- Falando no viado – disse rindo – Quer saber se você está
“dando trabalho” – disse as ultimas palavras como uma pessoa demente – Mano,
vai se foder! – rimos – Você fica ligada – disse séria depois de alguns minutos
de conversa, entregando-me um revolver, que coloquei em meu jeans – Aqueles
também são daqui – apontou mostrando-me quem estava trabalhando conosco –
Bem... Não tenho que te explicar o blá blá blá, porque você já conhece o
esquema.
- Suave – alguns minutos depois um gol preto parou onde
estávamos. Como Dan estava ocupada, resolvi cuidar deste.
- Oi – uma moça japonesa disse ao abrir a janela. Eu
encarei-a de cima à baixo várias vezes pra ter certeza que era seguro, e
aparentemente era. Assenti para que ela continuasse – Você tem crack?
- Quanto? – aproximei-me da janela.
- Quero 5 – Enquanto ela me esperava, fui até o terreno e
busquei os mesmo.
- R$ 25,00 – disse num tom monótono. Ela me pagou em notas
de R$5,00 e R$2,00, e logo entreguei a droga e ela voltou de onde veio.
Até umas 15:40hrs foi simples, mas Dan e eu notamos um
alvoroço quando alguns rojões explodiram. Em poucos minutos algumas pessoas
correram até nós. Assim que entendi o que se passava, descartei o revólver e
minha pochete num buraco já premeditado para este tipo de situação e corri rumo
ao topo do morro. Não via Dan, porém mesmo assim corri o máximo que pude.
- PERDEU, PERDEU! – um grito grave surgiu atrás de mim. Meus
olhos quase pularam de meu rosto – MÃOS NA CABEÇA – e eu não fui idiota de não
obedecer – Por que fugiu, princesa? – perguntou-me enquanto revistava-me – Tem
identidade?
- No meu bolso direito – disse ao conter-me. Minha vontade
era enfrenta-lo e dizer “o rg da princesa está na buceta dela, seu filho da
puta, mas se você pegar, o macho dela te mata”. Virei-me e encarei-o. Na casa
dos 40, loiro, baixo e de fato acima do peso.
- Você é?...
- Moradora – completei.
- Certo... E por que correu? – ele me encarava, procurando
algum motivo pra me prender.
- O Sr. Sabe como é... – fingi o máximo de inocência
possível – Correria... Traficantes... Tiroteios. Bem, fiquei apavorada.
- Hmmm... Pode ir – disse ao entregar-me meu rg.
Corri até a vala onde joguei a arma e o dinheiro. Apanhei-os
e andei o mais rápido possível até minha casa, sem despertar curiosidade de
quem me via.
- O que aconteceu? – Fernando perguntou-me assim que abri a
porta. Meus olhos estavam arregalados.
- Me enquadraram – disse e logo ri – Amor, eu quase tive um
treco por dentro – disse enquanto colocava a arma no criado e entregava a ele o
dinheiro.
- É isso oque dá em fazer coisa errada – disse Marcelo ao
caçoar-me. Ele, Fernando e Rogério estavam sentados contando pilhas de dinheiro
que estavam espalhadas sobre a mesa.
- Ah, disse o santo – caçoei-o e todos riram - Deveria ter
medo dos vermes invadirem isso aqui e ver o senhor com esse monte de dinheiro.
- Será que eles vão? – perguntou-me Rogério
- Acho que não. Eles mal saíram do pé. Querem ajuda? –
perguntei e Fernando puxou uma cadeira pra mim – Montes de quanto?
- De cem – disse num tom monótono.
- Você viu a Dan? – perguntei a Fernando.
- Ela sumiu? – olhou-me por um segundo e voltou sua atenção
às notas
- Eu... me perdi dela, mas... acho que ela se vira – disse isso
pra mim mesma. Ela tinha que fazer.
Nós ficamos umas 2 horas até que todo o trabalho fosse
feito. Como era dinheiro de drogas, eram muitas notas de valores baixos, oque apenas prolongou a contagem.
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